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Parecer

Responsabilidade de condomínio por danos causados a automóveis de condômino quando estacionado na garagem – limitação da eficácia da clausula de “não indenizar” em casos de culpa e de responsabilidade do condomínio.

O C.E.M.O., possuí um regulamento interno, firmado entre os condôminos e subordinado à escritura da convenção do condomínio.

A Convenção do Condomínio não prevê a medida da responsabilidade do condomínio para casos danos, furtos ou roubo de automóvel de condômino, quando este se encontrava na garagem do edifício, porém, o regulamento interno prevê que o condomínio não será responsável pelas bicicletas, carros, motos e acessórios em quanto na garagem do edifício, em razão de eventual furto, roubo ou ocorrência de danos a estes bens.

Entretanto, neste Condomínio têm ocorrido constantes danos ao automóvel do mesmo consorte na forma de riscos na pintura da lataria do referido bem. Destarte cumpre-nos opinar acerca da validade da chamada “cláusula de não indenizar” presente no regulamento interno do C.E.M.O.

1. Cumpre, de início, efetuar-se a análise de alguns dos requisitos formais para a validade da Convenção Condominial e do Regulamento Interno do C.E.M.O.

A Lei nº 4591/64 determina em seu artigo 9º que os proprietários, promitentes compradores, cessionários ou promitentes cessionários dos direitos pertinentes à aquisição de unidades autônomas, em edificações a serem construídas, em construção ou já construídas, elaborarão, por escrito, a Convenção de condomínio, e deverão, também, por contrato ou por deliberação em assembléia, aprovar o Regimento Interno da edificação ou conjunto de edificações.

Este mesmo diploma legal determina também que além de outras normas aprovadas pelos interessados, a Convenção do Condomínio deverá conter, entre outros dispositivos,; encargos, forma e proporção das contribuições dos condôminos para as despesas de custeio e para as extraordinárias e a forma e o quorum para a aprovarão do Regimento Interno quando não incluídos na própria Convenção.

Ou seja, compete aos condôminos a elaboração, por escrito, da Convenção de Condomínio, devendo, também, por contrato ou por deliberação em assembléia, aprovar o Regimento Interno do Condomínio, sendo que na Convenção do Condomínio deverá constar a forma e o quorum para a aprovarão do Regimento Interno quando não incluídos na própria Convenção.

O Regimento Interno, como um contrato entre os condôminos, deve respeitar a Convenção do Condomínio e a Lei, sendo vedado aos consortes estabelecer dispositivos que contrariem a convenção e a legislação, posto que estas são normas legais, que, portanto, devem ser respeitadas por acordos particulares. Já aquela, como acordo entre os condôminos, além de respeitar as normas legais, é o contrato principal do condomínio que, por força legal, dispõe a forma pela qual o Regimento Interno do Condômino deve ser elaborado para que seja válido.

Portanto, a Convenção Condominial é o contrato que constitui o Condomínio, estipulando suas características e sua estrutura administrativa e funcional. Já o Regimento Interno é um contrato entre os condôminos, ou seja, para a existência de um Regimento Interno de um condomínio, pressupõe-se que haja um condomínio devidamente constituído, de modo a permitir-lhe a existência.

Assim, existindo um condomínio, e sendo este constituído por uma Convenção, o Regimento Interno do mesmo deverá ser instituído de acordo com esta Convenção, sob pena de ser nula pela forma com que foi elaborada. Neste sentido o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro há muito vem se manifestando, sendo, atualmente, pacífico este entendimento de que “a aprovação do Regimento Interno não exige o quorum qualificado a não ser que a Convenção assim disponha. Convenção. Não a modifica o Regimento Interno se apenas explicita a proibição aos condôminos de manter em suas unidades animais.” (Recurso de Apelação nº 1991.001.04324, Rel. Des. Martinho Campos, 1ª Câmara Cível, TJERJ, julgado em 28/04/1992)

Em outras palavras, a aprovação do Regimento Interno de um condomínio deve ser estabelecida na forma e pelo quorum determinado pela Convenção Condominial, que não deverá ser desrespeitada pelo Regimento Interno, sendo defeso a este adentrar na competência da Convenção e dispor em contraditoriedade com as normas da mesma Convenção.

Outros sim, quanto à obrigação pelo recolhimento do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza cujo fato gerador será o serviço de construção civil contratado, tem-se que tal tributo, segundo informações prestadas pela Municipalidade de Mangaratiba, é requisito para a obtenção de licenças necessárias para a construção a ser realizada.

2. Analisado-se o caso concreto do C.E.M.O., observa-se que a Convenção de Condomínio dispõe, em seu art. 10º que nas Assembléias Gerais, sejam Ordinárias ou Extraordinárias é exigida unanimidade para a decisão sobre matéria que altere o direito de uso de propriedade.

Portanto, no que concerne a validade formal do Regimento Interno do C.E.M.O., pode se concluir que exige a unanimidade de seus condôminos para ser estipulado, sendo, em caso contrário, nulo, até que todos os consortes concordem expressamente e por livre vontade com seus termos, em Assembléia Geral.

Entretanto, observa-se no documento do Regimento Interno que não há a assinatura do consorte do apto. 202, Sr. A.T.S.N. Deste modo, parece não estar configurada a unanimidade na decisão que estipulou o Regimento Interno do Condomínio que garantiria sua validade.

3. Outrossim, abstraindo-se a possibilidade de o Regimento Interno do C.E.M.O. não ser sequer válido, deve ser analisada o problema referente à eficácia da chamada “cláusula de não indenizar” face as características do condomínio, a responsabilidade do Síndico e dos prepostos do Condomínio.

O Regimento Interno do C.E.M.O. prevê, em sua Cláusula nº 2.3.1, que “o Condomínio não será de forma alguma responsável pelas referidas bicicletas, carros, motos e acessórios, em razão de eventual furto, roubo ou ocorrência de danos” e que “qualquer dano causado por um veículo será de inteira responsabilidade de seu proprietário, devendo os interessados entender-se diretamente, eximindo o Condomínio”, na Cláusula nº 2.3.6 do mesmo texto.

Ou seja, a chamada “cláusula de não indenizar” está presente neste Regimento Interno em dois dispositivos diferentes, em que visam exonerar o C.E.M.O. de qualquer responsabilidade quanto a prejuízos que possam ser causados aos veículos dos consortes quando estes estiverem na garagem do edifício, de modo que o Condômino suporte o prejuízo sozinho, ou, caso saiba quem foi o causador do prejuízo, responsabilize somente este.

4.Porém, a doutrina e a Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro rechaçam a validade de cláusulas desta natureza em convenções condominiais ou em regimentos internos de condomínios.

No caso do Contrato Particular de Construção firmado entre P.R.F. S/A, P.R.I. S/A e E. E. Ltda., ora sob análise, as duas primeiras são as tomadoras dos serviços prestados pela última.

Entre os entendimentos jurisprudenciais, muito precisa é uma decisão que, com fulcro no art. 22, parágrafo 1., letra "b" da Lei n. 4.591/64, afirma que “mesmo na hipótese da existência de clausula de não indenizar na Convenção, não no Regimento Interno, ainda assim o condomínio é responsável, porque ao sindico, que representa o condomínio, compete exercer a administração interna da edificação, no que respeita à sua vigilância, moralidade e segurança, incluindo nesta, a segurança dos automóveis na garagem”. (Recurso de Apelação nº 1994.001.00906, Rel. Des. Humberto Perri, 3ª Câmara Cível, TJERJ, julgado em 26/04/1994)

Neste entendimento, a “clausula de não indenizar” quando presente em convenção condominial ou em regimento interno de condomínio será sempre nula, pois contraria o disposto na Lei nº 4.591/64 quanto às responsabilidades e os deveres dos síndicos. Segundo este posicionamento, garantir a segurança dos consortes e de seus bens é dever do síndico por força de disposição legal, não podendo ser determinado o contrário por vontade de particulares.

Portanto, segundo este entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Corte de grande influência nos debates jurídicos nacionais, todos os Condomínios,

inclusive o C.E.M.O., são responsáveis pela segurança dos consortes e dos seus bens, independentemente da existência da “cláusula de não indenizar”.

Acompanhando este entendimento encontram-se diversos juristas de grande respeitabilidade, como o Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, que afirma que “não está nas mãos dos contratantes convencionar que a imprudência não é imprudência, que imperícia não é imperícia, ou que a negligência não é negligência. O devedor que nada arrisca, por ser negligente, será, normalmente, menos cuidadoso do que o que tem de arcar com os danos causados por sua culpa. Admitir a cláusula de não indenizar na responsabilidade delitual seria, pois, estimular a negligência, a imprudência, a imperícia ou, mesmo, o dolo, enfraquecendo o dever de cautela que a lei impõe na vida de relação, e nisso contraria o interesse de toda a sociedade”. (in “Programa de Responsabilidade Civil”, Ed. Malheiros, 1999, p. 391)

Outro a proferir ensinamentos neste sentido é o insigne jurista Renato de Lemos Maneschy, que em obra magistral afirma que “lícita não será aquela cláusula se ela implicar em desnaturar aquilo que constitui a obrigação principal do contrato e sem a qual ele não existe, uma vez que, se não há a obrigação de indenizar, não há também a de guardar. É evidente que em se tratando de estacionamento, seja em estabelecimento aberto ao público, seja garagem de edifício, a essência do dever assumido é a guarda, e se for admitido que se afaste a responsabilidade, que é o hafetung do Direito germânico, através de uma cláusula de não indenizar, estar-se-á afastando aquele dever, e, de conseqüência, mutilando e tornando nula a própria relação jurídica. Afigurasse-nos indevida, em havendo obrigação de guarda, a aplicação da chamada cláusula de não indenizar para excluir aquela obrigação. Se a guarda jurídica dos veículos estacionados na garagem foi transferida de seus proprietários à administração do condomínio, que detém o controle absoluto e exclusivo dela, a obrigação de indenizar é decorrência necessária dessa guarda, que não pode ser afastada pela cláusula que venha a exonerar o guardião do dever de indenizar.” (in “Estudos e Controvérsias Jurídicas”, Ed. Lumens Júris, 1994, pp. 9-10)

5. É, também, entendido, pelos juristas de correntes mais conservadoras, que as “cláusulas de não indenizar” tem validade em princípio, mas tornam-se ineficazes quando aquele a que a clausula exonera de responsabilidade agem com culpa.

Ou seja, o entendimento jurídico quanto à validade das “cláusulas de não indenizar” não é estreitamente uníssono, pois, este última corrente entende que a convenção condominial reflete um acordo de vontade firmado entre os consortes, e, por conseguinte, não pode ser considerada nula.

Entretanto, mesmo no caso desta corrente, da qual discordamos, a eficácia da “cláusula de não indenizar” não é soberana, podendo deixar de ter validade quando aquele a quem a clausula garantia inexistência da obrigação de indenizar tem conduta culposa quanto à causa do evento danoso.

Este entendimento também se reflete na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, como se observa:

“Condomínio. Furto de motocicleta estacionada no interior da garagem. Existência de vigias que controlam a entrada e saída de veículos. Omissão dos prepostos do condomínio, encarregados da guarda dos bens. Culpa "in eligendo". Invalidade da clausula constante do Regulamento Interno que exonera a responsabilidade do condomínio. Provimento do apelo.” (Recurso de Apelação nº 1993.001.04233, Rel. Des. Paulo Sérgio Fabião, 1ª Câmara Cível, TJERJ, julgado em 14/06/1994)

“Furto de veiculo em área de estacionamento de Condomínio. Registro de ocorrência policial corroborado pelo depoimento das testemunhas ouvidas no processo. Culpa "in vigilando" do Condomínio que, embora mantendo porteiro e vigia no prédio, permitia que a entrada do estacionamento permanecesse com o portão aberto, comprometendo a segurança do local. Procedência da ação mantida. Arbitramento do valor da indenização em execução, observado o "quantum" na inicial perseguido, devidamente corrigido. Manutenção, a cargo do vencido, do pagamento das verbas da sucumbência”. (Recurso de Apelação nº 1995.001.04127, Rel. Des. Áurea Pimentel Pereira, 7ª Câmara Cível, TJERJ, julgado em 21/11/1995)

Nestes entendimentos, como anteriormente afirmado, observa-se a necessidade da configuração da conduta culposa para que a clausula exonerativa seja considerada nula ou ineficaz no caso concreto.

Observa-se, também, que estas decisões especificam o tipo de culpa necessário para a invalidez da referida cláusula; tratam-se de culpa "in vigilando" e culpa "in eligendo", as quais são muito bem definidas pelo já mencionado grande jurista Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, o qual diz que “quando o fato é praticado por terceiro, chama-se culpa in eligendo, aquela que se caracteriza pela má escolha do preposto. (...) a culpa in vigilando, por sua vez, decorre da falta de atenção ou cuidado com o procedimento de outrem que está sob sua guarda ou responsabilidade do agente.” ( Op. cit., p. 42)

6. Para que não reste dúvida sobre a hipótese de o C.E.M.O. ser responsável ou ser exonerado da responsabilidade pelo ressarcimento dos danos impingidos ao consorte que teve seu automóvel riscado por diversas vezes, quando o bem se encontrava estacionado na garagem do edifício, sob a guarda do Condomínio, deve ser avaliado se este caso concreto se enquadra nas hipóteses em que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro entende por considerar inválida a “cláusulas de não indenizar”.

De intróito, deve ser destacado o fato de que o veículo LNJ 6530, GM Astra, ano 2001, cor preta, fora riscado em sua lateral, por repedidas vezes, durante a madrugada, quando e encontrava estacionado na garagem do C.E.M.O. Esta simples verificação demonstra que o Condomínio não tomou providências para impedir que os danos repetidas vezes causados ao veículo, cessassem ou fosse identificado o autor dos riscos, ou, se foram tomadas providências, estas forma ineficazes e insuficientes.

Ou seja, mesmo ciente destas constates lesões ao patrimônio de um consorte, o C.E.M.O. não agiu diligentemente para garantir a tranqüilidade que este tem direito.

É importante que seja observado que o Regimento Interno do C.E.M.O. prevê, em sua cláusula 2.3.15, que “O(s) empregado(s) do Condomínio, durante o seu horário de serviço, deverá(ão) exercer a máxima vigilância sobre as áreas comuns, precavendo-se contra o roubo de veículos e seus equipamentos, bem como evitar avarias nos mesmos, devendo, de imediato, participar ao Síndico quaisquer anormalidades observadas, citando sempre que possível, o(s) causador(es) das mesmas para entendimento entre os interessados”.

Ainda, é relevante observar-se a Ata da Assembléia do C.E.M.O. realizada aos 4 de julho de 2001, em que foi consignado que “os condôminos se sentem insatisfeitos com os serviços prestados pelo zelador, principalmente quanto ao horário, que não é obedecido” e “D. Silmara adverte para o fato que os portões continuam ficando abertos”.

Desta forma, observa-se que neste condomínio os empregados exercem vigilância dos bens localizados nas áreas comuns do edifício, e, que os consortes estavam, se ainda não estiverem, insatisfeitos com o serviço prestado pelos prepostos da administração do C.E.M.O.

Assim, é clara a ocorrência de culpa "in vigilando" e culpa "in eligendo" do C.E.M.O., em razão da conduta omissa de seus prepostos.

7. Pelo exposto e pelo analisado, parece que a “cláusula de não indenizar”, presente no Regimento Interno do C.E.M.O., não é eficaz para impedir que este Condomínio indenize o consorte que teve seu automóvel riscado por diversas vezes, nos danos que este sofreu em razão destes riscos, posto que, dentre todos os entendimentos existentes na Doutrina e no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a “cláusula de não indenizar”, ora em análise, incide em algum fator que a torne inválida, seja por total invalidade do Regimento Interno do C.E.M.O., seja por contrariar o dever do síndico estipulado pela Lei nº 4.591/64 ou, ainda, seja por haver culpa "in vigilando" e culpa "in eligendo" do Condomínio.